Ambiente Jurídico

Litigância climática: Suíça e a violação dos direitos humanos

Autores

  • Gabriel Wedy

    é juiz federal professor nos programas de pós-graduação e na Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) pós-doutor doutor e mestre em Direito Ambiental membro do Grupo de Trabalho "Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas" do Conselho Nacional de Justiça visiting scholar pela Columbia Law School (Sabin Center for Climate Change Law) e pela Universität Heidelberg (Institut für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht) autor de diversos artigos na área do Direito Ambiental no Brasil e no exterior e dos livros O desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas: um direito fundamental e Litígios Climáticos: de acordo com o Direito Brasileiro Norte-Americano e Alemão e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). 𓄧 🍒 

  • Patrícia Iglecias
    é advogada professora superintendente de Gestão Ambiental da Reitoria da USP e sócia do Wald Antunes Vita e Blattner Advogados.
27 de abril de 2024, 12h03

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos declarou, no último dia 09 de abril, no caso Verein KlimaSeniorinnen Schweiz e outros v. Suíça,  que o governo da demandada violou os direitos humanos dos seus cidadãos ao não fazer o suficiente para conter as mudanças climáticas. A causa tornou-se um importante leading case e, segundo alguns dos mais importantes juristas do direito climático do mundo,[1] tal precedente poderá fortalecer e empoderar os autores que estão invocando ou pretendem alegar a violação dos direitos humanos para resp🦹onsabilizar os governos nos Tribunais nas ações do estilo.

Gabriel Wedy

No referido litígio climático, que foi proposto pelo grupo KlimaSeniorinnen, ou Mulheres Idosas pela Proteção do Clima, o mencionado Tribunal, com sede na bela Estrasburgo, França, declarou na festejada decisão que a Suíça não cumpriu a sua meta de redução das emissões de carbono e possui a obrigação legal de adotar medidas concretas para resolver esse problema de má gestão climática. Aliás, as nações não podem conferir proteção insuficiente aos direitos humanos e aos direitos fundamentais dos seus cidadãos garantidos pelos diplomas internacionais e pelas constituições,[2] assim como não é facultado aos países a promo🍬ção de retrocessos nestes direitos fratern♑ais.

As autoras, todas mulheres com 64 anos ou mais, como se depreende da leitura da peça inaugural, alegaram que a sua saúde foi exposta à grave risco durante as ondas de calor causadas pelo aquecimento global antrópico. Argumentaram que o governo suíço, ao não fazer o suficiente para mitigar o aquecimento global, violou os seus direitos amparados pela legislação internacional que tutela os direitos humanos. É importante referir que muito embora exista um notável aumento da litigância climática que visa compelir os Estados a agirem contra o aquecimento global nas Cortes domésticas em casos semelhantes, este precedente, sem dúvida, foi o primeiro litígio em que o juízo a quo em um tribunal internacional declarou expressamente o dever de um governo ao cumprimento das metas climáticas com base no arcabouço jurídico de tutela dos direitos humanos. Na decisão consta, inclusive, em uma interessante e inovadora analogia, que a crise climática atual é também uma crise de direitos humanos.[3]

Todavia, embora a decisão seja juridicamente vinculante, a sua eficácia vai depender da responsabilidade política dos Estados pelo seu cumprimento. A Suíça, por certo, típico Estado de Direito, ao estilo Rule of Law, terá interesse em cumprir a decisão de forma a dar o exemplo ético para o resto da comunidade europeia e para o Mundo de quão  importantes são precedentes holísticos e sustentáveis, em especial na era de desastres climáticos, de perda da biodiversidade e de greenwashing .

Provavelmente, a referida decisão vai encorajar outros grupos ao ajuizamento de novas ações para compelir nações ao cumprimento de suas metas de emissões, tendo a demanda aqui abordada, por certo, futuros reflexos estratégicos para a litigância climática em níveis nacional e internacional.

Evidentemente que o efeito da decisão atingirá com mais força os países da comunidade europeia, engajada há décadas no cumprimento da legislação de proteção dos direitos humanos, não se olvidando que deve ter reflexos também nas democracias da América do Norte, Central e do Sul. Como se pode observar a olho nu, e sem muito esforço, os objetivos do Acordo de Paris têm sido descumpridos e não foram estabelecidas metas climáticas adequadas e ambiciosas na maioria das nações. [4] É de se esperar que 🧔este precedente sirva para fundamentações sofisticadas em outras decisões nas Cortes Internacionais a começar pelo Tribunal Internacional de Justiça.  Omissões do estilo, por certo, realça𒉰m um dos vetores do princípio da proporcionalidade, que veda a proteção insuficiente dos direitos, e violam também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Interessante é que pesquisas científicas, que analisaram os últimos e escaldantes verões suíços, comprovaram que as mulheres mais velhas são particularmente as mais vulneráveis ​​às doenças relacionadas com o calor .[5] De fato, quatro das mulheres demandantes disseram ter doenças cardíacas e respiratórias que as colocam em risco de vida em dias muito quentes, e outros membros do grupo referiram, por sua vez, que lutam contra a fadiga, as tonturas e outros sintomas causados pelo calor extremo do verão.[6]

Descendo a uma análise mais pormenorizada e técnica do caso, não é demais referir que a Suíça prometeu reduzir as suas emissões de gases com efeito estufa em 20% até 2020, em comparação com os níveis de 1990. Mas, após a instrução processual, a Corte declarou que entre 2013 e 2020, o país reduziu os seus níveis de emissões apenas cerca de 11%. Outro ponto referido na decisão, que merece destaque, é que o país não utilizou ferramentas que pudessem quantificar os seus esforços para limitar as emissões com o emprego de um orçamento de carbono. Consta da decisão que a parte demandada ao não agir em tempo útil, e de forma apropriada e consistente, não logrou proteger os direitos dos seus cidadãos.[7]

Houve também nítida eficácia mandamental na decisão, na medida que o tribunal ordenou que a Suíça adotasse medidas para resolver as deficiências e carências de sua política climática e, também, eficácia condenatória, quando condenou a demandada ao pagamento ao KlimaSeniorinnen de 80 mil euros para cobrir os seus custos e despesas com o processo🌄.

O governo suíço, em sede de contestação, argumentou que a legislação em matéria de direitos humanos não se aplica às alterações climáticas e que a abordagem do tema deveria se dar por meio de um processo e debate político, e não de uma decisão judicial, sob pena de violação ao conhecido princípio da independência dos Poderes. Todavia, após a decisão, o gabinete federal de justiça da Suíça, que representa o país no tribunal europeu, afirmou que as autoridades suíças analisariam a sentença e examinariam as medidas a serem adotadas em sede de políticas climáticas para o seu cumprimento.[8]

O tribunal internacional declarou, ainda, que dadas as questões de alta complexidade envolvidas, o governo suíço estava em melhor posição para decidir como proceder para o cumprimento da decisão. Foi nomeado, inclusive, um comitê de representantes governamentais dos estados membros do tribunal que supervisionará a adoção pela Suíça das medidas a serem adotadas para o cumprimento da decisão.[9]

Entre os notáveis méritos do precedente, podemos destacar o evidente caráter intergeracional adotado pela Corte que igualmente procura garantir, com  o uso da regulação, um meio ambiente limpo e um sistema climático estável para o pleno gozo dos direitos humanos pelas atuais e futuras gerações, além de  relacionar, de modo elegante, inclusive, a emergência climática a uma notória crise de eficácia dos direitos humanos que atinge em cheio a cidadania global neste incerto (e aquecido) quadrante histórico.

[1] The New York Times. In Landmark Climate Ruling, European Court Faults Switzerland, 09.04.2024. Disponível em: //ww🍸w.nytimes.com/2024/04/09/world/europe/climate-human-rights.html?searchResultPosition=1

[2] The New York Times. In Landmark Climate Ruling, European Court Faults Switzerland, 09.04.2024. Disponível em:🦹 //www.nytimes.com/2024/04/09ℱ/world/europe/climate-human-rights.html?searchResultPosition=1

[3] European Network of Nation Human Rights Institutions. The Grand Chamber of the European Court of Human Rights issues groundbreaking judgment on climate change and human rights. Disponível em: . Acesso em: 22.04.2024.

[4] European Network of Nation Human Rights Institutions. The Grand Chamber of the European Court of Human Rights issues groundbreaking judgment on climate change and human rights. Disponível em: . Acesso em: 22.04.2024.

[5] Universität Bern.Global warming caused 60 percent of Swiss heat deaths in the summer of 2022

Disponível em: . Acesso em: 23.04.2024.

[6] Universität Bern.Global warming caused 60 percent of Swiss heat deaths in the summer of 2022

Disponível em: . Acesso em: 23.04.2024.

[7] Amnesty International. Europe: European Court of Human Rights sets vital precedent with ruling in landmark climate case. Disponível em: . Acesso em: 23.04.2024.

[8] Amnesty International. Europe: European Court of Human Rights sets vital precedent with ruling in landmark climate case. Disponível em: . Acesso em: 23.04.2024.

[9] European Court of Human Rights. Grand Chamber rulings in the climate change cases. Disponível em: //www.echr.coe.int/w/grand-chamber-rulings-in-the-climate-cha🐼nge-casesAcesso em: 22.04.2024.

Autores

  • é juiz federal, membro do grupo de trabalho Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, do CNJ, professor do PPG em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pós-doutor, doutor e mestre em Direito, visiting scholar pela Columbia Law School e pela Universität Heidelberg, integrante da IUCN World Comission on Environmental Law (WCEL), vice-presidente do Instituto O Direito Por um Planeta Verde e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
  • é professora e superintendente de Gestão Ambiental da USP; presidente do Instituto o Direito por um Planeta Verde; sócia de Wald Advogados; foi secretária do Meio Ambiente de São Paulo e presidente da Cetesb.

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